Especialista aponta desafios para a mobilidade urbana de Brasília

jan 12 • Mobilidade Urbana • 3587 Views • Comentários desativados em Especialista aponta desafios para a mobilidade urbana de Brasília

“O processo de mapeamento, estudo e planejamento para a reestruturação da mobilidade urbana de Brasília deve abranger não apenas o Distrito Federal.” A afirmação é do Professor Emérito e Titular da Universidade de Brasília Aldo Paviani, especialista em planejamento urbano e autor de diversos livros que tratam sobre o desenvolvimento da capital do país. Em entrevista concedida ao Projeto Brasília 2060, do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), Paviani aborda temas como transporte público, sistema educacional e delimitação de espaços para o futuro do DF.

Projeto Brasília 2060 – Durante um evento realizado em novembro de 2015, o coordenador do Brasília 2060, Paulo Egler, mencionou que parte da estratégia utilizada pelo projeto foi formulada a partir do trabalho do senhor em relação à cidade. Poderia contar um pouco sobre esse modo de pensar a cidade.

Aldo Paviani – Para começar, eu acho mais adequado pensarmos Brasília em um prazo menor, talvez 2030. Nesse período, temos mais capacidade de antever qualquer processo urbano e até mesmo o processo social, econômico e cultural da população. É mais fácil enxergar essas questões para daqui a 15 anos do que mais adiante. Acredito que Brasília mudará bastante, muito em função de ela ter sido planejada, diferentemente de outras cidades. A capital teve que se adaptar às correntes migratórias que foram cruciais para o seu atual cenário e que a fizeram crescer de uma maneira desmesurada.

PB 2060 – O seu histórico com a cidade faz com que o senhor defenda suas opiniões de forma incisiva. Nesse sentido, conte um pouco sobre a sua formação e trajetória em Brasília.

AP – Sou graduado em Geografia, e me especializei em História e Planejamento Urbano. Sou Professor Emérito e Titular da Universidade de Brasília e pesquisador associado ao Departamento de Geografia do Instituto de Ciências Humanas e ao Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB. Cheguei à cidade no ano de 1969, vim por convite da UnB para lecionar na instituição. O tempo foi passando, e eu acabei ficando e aprofundando, cada vez mais, o olhar e a percepção das mudanças da cidade, a qual eu tive a oportunidade de conhecer desde o seu estabelecimento.

PB 2060 – Sobre o desenvolvimento de Brasília, quais são os aspectos que confirmam o seu crescimento desordenado? O que o senhor pode pontuar sobre essa questão?

AP – Não diria que foi um crescimento totalmente desordenado. Por exemplo, as cidades satélites surgiram com o intuito de organizar a população que estava amontoada em grandes invasões – termo que eu não considero muito adequado, uma vez que ninguém invade o seu próprio país. Existiam também as localidades provisórias, as quais grandes empresas utilizavam como canteiros de obra. Nesse cenário, houve a necessidade de organizar as pessoas que não queriam voltar para as suas respectivas cidades. Daí surgiram as cidades satélites. Houve o caso de Taguatinga, que foi criada em 1958, dois anos antes da inauguração da própria capital. Podemos dizer que foi uma arrumação organizada pelo Estado, só que ela não foi feita de acordo com os padrões urbanísticos mais bem estruturados, por isso a ideia de desorganização. Com o passar do tempo, as cidades satélites passaram a ser chamadas de regiões administrativas, uma forma de governar e classificar os espaços que foram polinucleados.

PB 2060 – O senhor poderia falar mais sobre a expressão polinucleado?

AP – Polinucleado, na realidade, é um termo que eu utilizo e que me reflete a experiência realizada em Londres. A região ao redor da capital inglesa foi polinucleada por cidades jardins, algo que também aconteceu em Brasília – só que aqui por pessoas. O problema das cidades satélites é que os habitantes não conseguem trabalhar, capacitar, empreender e nem mesmo se divertir na sua própria localidade. A cidade do Gama, por exemplo, está a 42 quilômetros do Plano Piloto. A rigor, a maioria da população de lá trabalha no Plano Piloto, e isso se repete em outras cidades, ou seja, há uma dependência das cidades satélites em relação ao centro da cidade. Elas até conseguem uma relativa autonomia por conta das administrações regionais, mas ainda não possuem uma autonomia financeira, pois os administradores dependem do GDF para administrar as suas cidades.

PB 2060 – Para quais áreas devemos dar atenção para melhorarmos Brasília? E o que é preciso ser feito pelos gestores e pela comunidade para termos uma cidade melhor, seja em 2030 ou 2060?

AP – Primeiramente seria o retorno do planejamento urbano, que deverá ser feito de forma criteriosa. Por exemplo, existem duas coisas que são fundamentais e interligadas: a primeira é a descentralização das atividades econômicas, levando mais oportunidades para a população e para as regiões administrativas. Com isso, aconteceria um segundo fato, o desafogamento do transito que flui em direção ao centro de Brasília. O GDF decidiu mudar o Centro Administrativo para região de Taguatinga e Ceilândia, uma ótima medida para iniciar a concretização dessa ideia. Outro ponto seria ter mais atenção aos espaços públicos que estão sendo perdidos. A grilagem está destruindo meio ambiente, terrenos, solos, provocando declives e erosões. A grilagem e os condomínios que estão surgindo sem infraestrutura são uma grande preocupação. Devemos urgentemente dar uma atenção especial à educação da população. Apesar de a capital ter bons salários e uma boa distribuição de renda, ainda temos uma persistente desigualdade social, fruto do descompasso salarial da população.

PB 2060 – O senhor defende que o processo de mapeamento, estudo e planejamento para a reestruturação da mobilidade urbana de Brasília deve abranger não só o Distrito Federal e afirma que a região da Periferia Metropolitana de Brasília deve fazer parte de todo esse processo de reestruturação. Por que?

AP – Brasília não é apenas as 31 regiões administrativas que estão dentro do quadrilátero do DF. A região da Periferia Metropolitana de Brasília, por exemplo, depende muito da capital. Não podemos esquecer que esse público necessita das nossas escolas, hospitais e universidades. Vamos virar as costas para essa população? Devemos estar, cada vez mais, em sintonia com o estado do Goiás e com o Governo Federal para suprir as necessidades de toda essa região. É necessário nos perguntarmos: Que Brasília nós queremos? Que futuro a nossa cidade merece? Eu noto nos atuais protestos a vontade dos jovens de ter um país com mais cidadania. E cidadania é também dizer que cidade nós queremos.

Comunicação Social do Projeto Brasília 2060
Crédito da imagem: Toninho Leite (Codeplan)

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